quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Boquiaberta!

by Maiara

Posto aqui a indginação de um professor a respeito do fato qua ocorreu na Uniban.


Juventude, mídias e moral


É um soco no estômago de cada brasileiro, constatar que, depois de três décadas, ao invés de uma greve revolucionária ou de uma manifestação pela democracia, se vê, em São Bernardo, uma demonstração de ignorância fascistóide juvenil.

Luís Carlos Lopes

O fato ocorrido há alguns dias em uma Universidade privada do ABC paulista – São Bernardo do Campo – deveria ser motivo de reflexão sobre vários problemas do Brasil atual. As grandes mídias e as baseadas na Internet repercutiram bastante o ocorrido, bem como seus desdobramentos. Estes continuam a vibrar nas teias dos meios de comunicação disponíveis.

Houve um espetáculo, possivelmente gravado pelas câmeras filmográficas de celulares ou de outras máquinas digitais. Estes registros correram como um rastilho de pólvora por todo país. Sem dúvida, a amplificação midiática destas imagens e sons é mais importante do que o fato em si. Isto, sobretudo, se for considerada a continuação do coro midiático de reprovações ao comportamento da moça que foi, involuntariamente, o epicentro de mais este escândalo.

Não é a primeira vez que imagens feitas por câmeras amadoras criam tanta celeuma no Brasil e no exterior. No mundo, o caso mais famoso é o das imagens das torturas praticadas no Iraque por militares norte-americanos, capturadas e divulgadas pelos seus próprios colegas. No Brasil, inúmeros casos de sexo casual e de sexo forçado (estupro) foram parar na memória destes aparelhos. Isto transformou cada um de seus portadores em um repórter de fato do mondo cane da vida social contemporânea.

Estes repórteres são igualmente participantes dos fatos em tela. Suas lentes são dirigidas da perspectiva dos estupradores, caluniadores ou torturadores. Não há, salvo engano e infelizmente, o propósito de denunciar, ao contrário, o registro é para perpetuar o fato e, quando possível, divulgá-lo para outros, como prova de que estava ali e que se concordava com o que foi gravado. Trata-se de imagens para confirmar a validade do ocorrido, sem qualquer propósito crítico ou investigativo.

A intimidade da vida social acabou. Tudo pode ser registrado e transformado em elementos do fogo da intriga e da maledicência. A possibilidade de se ter facilmente imagens em movimento, acompanhada de som ambiente, tornou factível que, de outro ângulo, se possa também julgar os que julgam, atacam, torturam, caluniam e gravam. O instrumento usado para alardear os crimes funciona como uma bomba de efeitos inesperados, tal como a que explodiu no colo de um sargento no Riocentro (RJ), em 1981.

As imagens existentes mostram um grupo agitado de jovens usando palavras de baixo calão contra outra jovem, sua colega da mesma faculdade. Há a clara impressão de que, se não houvesse a presença da polícia, o linchamento moral, poderia ter sido seguido pelo ataque físico, com conseqüências inimagináveis.

Segundo as mídias, que complementaram esses registros, não teria havido qualquer conflito ou ação deletéria da difamada, além de suas vestes. Estas foram consideradas ousadas pelos seus críticos de ambos os sexos, que, aliás, continuam em vários canais da mídia insistindo em sua culpa. Obviamente, não poucos saíram em sua defesa.

As imagens do fato lembram às representações do que ocorria no mundo medieval: os autos-de-fé contra bruxas, judeus, prostitutas, adúlteros, livre-pensadores e outros. Todos considerados inimigos da ordem e dos bons costumes. A turba ensandecida gritava querendo ‘justiça’ contra os que tinham, como maior pecado, serem mais inteligentes, loucos ou simplesmente diferentes ou vítimas da maioria.

Naquela época, havia a fogueira e outros suplícios terríveis aplaudidos pela massa. Hoje, as mídias e os poderes que representam foram sacralizados, como novas autoridades morais da modernidade. Queimam-se os objetos do ódio em cada tela de tv ou de computador. Todavia, as chamas crepitam de outro modo. Não matam, mas provocam imensos estragos às vidas de suas vítimas.

As mesmas imagens lembram o nazifascismo que copiou a lógica medieval e perpetrou crimes terríveis contra a humanidade. Este regime e ideologia agiram, com especial zelo, contra: os diferentes de qualquer naipe; a inteligência científica e artística; os que teimavam em pensar na liberdade de opinião; os que queriam viver do modo que acreditavam como mais justo.

Na maior carnificina conhecida, até hoje, - a preparação e execução da Segunda Grande Guerra - milhões foram para as novas fogueiras, depois de caluniados e atacados de todas as formas possíveis e imagináveis. A partir do século XX, as mídias cada vez mais desenvolvidas e complexas foram e continuam sendo usadas para disseminar o ódio, a intriga e a conspiração contra a liberdade. As mídias, usadas como instrumento do poder, servem para preparar, manter e esconder atentados contra os direitos humanos e crimes contra a humanidade.

Os jovens que gritaram contra uma de suas colegas, cortando suas próprias carnes, foram chamados de fascistas, não sem razão. Este é o nome genérico dado a todos que não suportam comportamentos que saiam de seus controles. É também justamente usado para designar os que usam o poder da turba ignara para linchar qualquer um que lhes pareçam diferente. Os fascistas adoram a ordem, a família, a propriedade e o fanatismo religioso. Também, gostam da pornografia, desde que tenham absoluto controle de seus objetos. Não são necessariamente conscientes do que são.

Possivelmente, os mesmos que admoestaram a moça colecionam revistas pornográficas, vêem a farta exibição do gênero na Internet, tratam suas mulheres com violência real e simbólica e aceitam, sem qualquer problema, o princípio da superioridade masculina. Na verdade, pouco importa a que gêneros pertençam, bem como suas características socioraciais. Neste caso, foram vistas muitas moças engrossando o coro durante o ato e, também, no momento posterior.

Muitos dos jovens atuais são intoxicados por mídias que passam a carne das meninas do Brasil em moedores, retirando desta qualquer humanidade. Não vêem nada de mais na exposição pornográfica e mercantil da nudez feminina, desde que as expostas sejam as deusas das mídias, as personas que tanto adoram como novos bezerros de ouro. Não acham, de fato, que as roupas devem ser comportadas. O problema é se isto sai de seus controles imaginários. Afinal de contas, a publicidade e as heroínas midiáticas usam roupas iguais ou mais ousadas do que a humilhada e ofendida, neste caso.

O fato de isto ter ocorrido em uma Universidade coloca a questão do que lá se ensina, o que lá se aprende e o real significado das presenças dos envolvidos no local. O evento se deu em espaço fechado de uma instituição, portanto, não há como separá-lo da mesma. A adesão de muitos alunos implica compreender a existência de uma falsa consciência sobre o papel do aluno, do professor e do conhecimento. Nestes acontecimentos, o local de ensino é onde, inexoravelmente, se diz o que se pensa, mesmo que se possam detestar os conteúdos das falas deste episódio.

Cursos e professores universitários que se dizem voltados para o ‘mercado’, sejam públicos ou privados, e fortemente baseados na tecnofilia, escondem a verdade dos seus alunos. O mercado real é cruel, não poupa ninguém de suas leis, que em quase nada dependem do que se ensina. Aliás, quanto mais se acredita no ‘mercado’, mas se é presa fácil do mesmo. Profissionais e estudantes alienados, apartados do saber artístico e científico, são, também, os que não estão preparados para se defender de seus patrões. São ovelhas prontas para o abate. Não compreendem o que se quer deles e a realidade onde estão metidos. Por isto, não sabem o que fazer quando a porca torce o rabo.

Estudar este fenômeno pode ser de muita valia para a criação de vacinas preventivas. Não é a primeira vez, que o anti-humanismo se manifesta em episódios sociais fartamente midiatizados. Esse é uma das marcas do presente. A sociedade em que se vive, mediada por objetos de consumo, máquinas e idéias superconservadoras é, também, o lugar onde não há espaço para princípios humanistas de respeito ao outro. O outro, ora, dane-se o outro!

O que importa é o celular da moda, os tais programas de relacionamento e rede sociais, as heroínas e heróis midiáticos, a possibilidade de adquirir um novo produto alardeado pela publicidade etc. Não há muito lugar para o livro, para as idéias libertadoras e para algo fora da individualidade aguerrida e pasteurizada de cada um. Aliás, cada um é cada um, desde que se seja igual ao que está do lado.

O toque trágico deste episódio vincula-se ao fato de ter ocorrido no lugar que foi chave para a democratização presente do Brasil. De lá, saíram as esperanças de liberdade de milhões. É um soco no estômago de cada brasileiro, constatar que, depois de três décadas, ao invés de uma greve revolucionária ou de uma manifestação pela democracia, se vê, em São Bernardo, uma demonstração de ignorância fascistóide juvenil.

Espera-se que manifestações como esta sejam amplamente repudiadas e estudadas. Talvez, assim, se possam inverter seus significados, usando-as para chamar à atenção, esclarecer e dizer que existe muita coisa a se ver além da tv, da Internet, das crenças preconceituosas e da publicidade.

Luís Carlos Lopes é professor e autor do livro "Tv, poder e substância: a espiral da intriga", dentre outros

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